Estha fora sempre uma criança calada, por isso ninguém
sabia dizer com precisão a exacta altura (o ano, senão
mesmo o mês ou o dia) em que ele deixara de falar. O facto
é que não havia uma «altura exacta». Como um negócio
que vai abrandando, abrandando, até parar. Um emudecimento quase imperceptível. Como se tivesse simplesmente
esgotado a conversa e não tivesse mais nada a dizer. Mas o silêncio de Estha nunca era incómodo. Nunca era intrometido. Nunca era barulhento. Não era um silêncio acusador,
de protesto, mas uma espécie de entorpecimento estival,
uma dormência, o equivalente psicológico daquilo que os
dipneus fazem para sobreviver na estação seca; excepto
que, no caso de Estha, a estação seca parecia destinada a
durar para sempre.
Com o tempo, foi adquirindo a capacidade de se fundir
com o ambiente circundante – estantes, jardins, cortinados, vestíbulos, ruas –, de parecer inanimado e quase invisível a um olhar inexperiente. Habitualmente os estranhos
demoravam a aperceber-se dele mesmo que estivessem no
mesmo compartimento. Demoravam ainda mais a aperceber-se de que ele nunca falava. Alguns nunca chegavam a
aperceber-se.
Estha ocupava muito pouco espaço no mundo.
Arundhati Roy em O Deus das Pequenas Coisas
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